Testemunho do tempo: 32 anos a tentar atravessar o deserto

Julho 5, 2007 às 3:56 pm | Publicado em Política | 3 comentários

Depois de alguns meses fora do espaço digital, como que num grito de liberdade do dia da independência nacional, o site de Tarrafal entra em actvidade. No seu primeiro dia, tive a oportunidade de participar com um texto que se segue:

Não há dúvidas de que a história de um povo faz-se com o suor que os seus filhos, diariamente, deitam à terra para fertilizar o futuro de forma a que os netos venham a encontrar campos mais verdejantes, onde possam colher frutos macios, envoltos numa inusitada sensação de tranquilidade. Os passos dados, as hesitações, os momentos de recuo, os avanços, as frustrações, os delírios, a vida e a morte… todos fazem parte de um invulgar percurso que um povo tem, para, no presente, poder desfrutar de uma gruta com uma fenda para o passado e uma luz para o futuro. O percurso de Cabo Verde, da descoberta à promoção para um País de Desenvolvimento Médio, não deixa de incorporar, mas também de corporalizar, os sentimentos contraditórios acima relatados.
Durante quinhentos anos, Cabo Verde foi convidado a desactivar uma ‘bomba atómica’ que, embora não chegando a explodir, causou um grande número de baixa. Estou a falar da fome, que, durante muito tempo, dificultou a vida aos homens das ilhas, levando uns e massacrando outros, deixando-os à beira da morte. Mas, também o país conheceu a sua época dourada. Com o desenvolvimento do Porto Grande, em São Vicente, as ilhas de Cabo Verde tornaram-se num ponto de escala obrigatório para o corredor atlântico Europa-América. Este facto, resultante da situação privilegiada das ilhas no cruzamento da rota atlântica entre a Europa, a África e a América, foi ‘factor-chave’ para o desenvolvimento da economia cabo-verdiana, durante muito tempo. Porém, a perda da importância geográfica do arquipélago ditou a destruição da sua estrutura económica, convidando os seus moderadores a definir uma nova geoestratégia.
Há outras questões que devemos ponderar nesta nossa conversa. Depois de encontrado pelos portugueses, Cabo Verde não tinha sido pensado para ser ilhas dos escravos, mas, antes, um arquipélago de homens brancos, que definissem um estilo de vida tipicamente europeia e expandissem aquilo que é genuinamente europeu para outros pontos do mundo. Mas, isto não aconteceu porque, as características climatéricas do arquipélago, em nada, semelhem à Europa. Falhou o intento português de construir ilhas ‘brancas’ em África, mas esta ideia viria a marcar Cabo Verde em todo o seu percurso.
 
Várias vezes, os cabo-verdianos pediram à administração colonial que reconhecesse o verdadeiro estatuto das ilhas, porque Cabo Verde não era uma colónia. Seria uma região anexa a Portugal. Os seus objectivos não foram imediatamente respondidos, mas não se cruzaram os braços. No dia 7 de Setembro de 1822, Brasil era formalmente reconhecido como um país independente. Os cabo-verdianos, fartos de não serem atendidos pelos portugueses, começaram a ponderar a oportunidade de uma libertação por via do Brasil, no sentido de que as nossas ilhas fossem uma região autónoma indexada ao Brasil. Porém, estes objectivos também não foram alcançados.
Igual a si próprio, o povo cabo-verdiano que aprendeu a fazer da terra seca a esperança num amanhã molhado continuou a trabalhar, a reivindicar, a escrever, usando os jornais, protestando – embora, de uma forma suave, mas protestando… querendo ser desvinculado do estatuto de colónia. Até aos finais do século XIX e princípios do século XX, as coisas estavam bem andadas no sentido de dar a Cabo Verde um estatuto semelhante ao da Madeira e dos Açores. Mas, não a expectativa não passou disso mesmo. Não tardara para que Salazar trouxesse o Estado Novo, que vinha dizer aos cabo-verdianos mais ou menos isto: vocês pertencem a uma colónia e colonizados continuarão a ser. Salazar não disse com estas palavras. Mostrou com actos. Mandou cunhar novas moedas para as Colónias onde, até aí, circulavam a mesma moeda que circulava na Metrópole. Nas moedas enviadas para Cabo Verde, podia ler-se: “Colónia de Cabo Verde”. Era um balde de água fria deitado em cima da cabeça daqueles que sonhavam com um estatuto especial para Cabo Verde no âmbito da administração colonial. Se uma moeda diferente mostrava claramente a intenção do regime de não dar aos cabo-verdianos o mesmo tratamento que aqueles que viviam na Metrópole, a indicação “Colónia de Cabo Verde” simplesmente comprovava a impossibilidade política de uma elevação do arquipélago a um novo patamar. Aquilo era chocante para os defensores da causa cabo-verdiana. Chocava-lhes duas vezes e magoava-os até às mais profundas entranhas do seu ser. Mas, a luta continuou.
Em 1956 foi criado o PAIGC e outras forças de luta e o combate deixa de ser unicamente no campo das letras e passa também para as matas da Guiné. Décadas de guerra, levaram à independência de Cabo Verde, em 1975, justamente num dia como hoje: 5 de Julho. Antes disso, Amílcar Cabral já tinha desaparecido de cena: morreu a 20 de Janeiro de 1973, numa circunstância que até hoje não se explicou  ainda muito bem.
Seguindo este curso de acontecimentos, lembremos hoje que, autonomamente, é desde há 32 anos que o povo cabo-verdiano tem vindo a lutar para construir uma alternativa de vida nas ilhas, tentando contrariar a tendência de emigração, que leva muitos filhos da terra a ir procurar melhores condições de vida em outras paragens. No dia 5 de Julho de 1975, os portugueses assinaram o documento da independência de Cabo Verde cheios de dúvidas e algumas convicções. Pensaram que o país iria entrar em colapso. A falta de recursos faz das ilhas um país muito vulnerável. Os vários ciclos de fome que marcaram a história do arquipélago, entre eles a lendária fome de 47, levaram os portugueses a pensar que Cabo Verde era um país falhado, pelo que a independência conduziria ao seu desaparecimento. O país nada tinha… a não ser o engenho e o empenho dos seus homens. Uns falaram na transformação de Cabo Verde em região autónoma de Portugal, à semelhança de Madeira e Açores. Outros pensaram na prossecução do sonho de Amílcar Cabral, unindo Cabo Verde e Guiné-Bissau. Os portugueses estavam reticentes quanto à associação do arquipélago à Guiné-Bissau. Mário Soares afirmou que nas regiões onde não houve guerra de libertação (o caso de Cabo Verde), era preciso respeitar o direito de auto-determinação dos povos. No meio de toda esta confusão, optou-se pela independência do arquipélago em relação a Portugal. Cabo Verde seguiu,  a partir de então, uma administração conjunta com a Guiné, que veio falhar com o golpe de estado empreendido por Nino Vieira, em 1981. A partir daí, Cabo Verde seguiu os seus passos e, daqui a alguns meses, vai passar para o País de Desenvolvimento Médio, fruto de políticas económicas e educativas certeiras empreendidas, sobretudo, a partir de 1991.
Surpreendendo tudo e todos, o país que era dado como incapaz em 1975, hoje é apontado como um exemplo a seguir. PARABÉNS CABO VERDE. Depois de 32 anos a tentar atravessar o deserto, já se pode ver extensas manchas verdes. Podem não ser um Oásis, mas serão, com certeza, o sinal de que o futuro está ali na esquina, à nossa espera.

5 de Julho: 32 anos a tentar atravessar o deserto

Julho 5, 2007 às 12:05 pm | Publicado em Política | 1 Comentário

 

Há 32 anos, o povo cabo-verdiano tem vindo a lutar para construir uma alternativa de vida nas ilhas, tentando contrariar a tendência de emigração, que leva muitos filhos da terra a ir procurar melhores condições de vida em outras paragens. No dia 5 de Julho de 1975, curiosamente dia do nascimento da minha irmã a quem eu aproveito para dar os meus PARABÉNS, os portugueses assinaram a independência de Cabo Verde, na convicção de o que o país entrasse em colapso. A falta de recursos faz das ilhas um país muito vulnerável. Os vários ciclos de fome que marcaram a história do arquipélago, entre eles a lendária fome de 47, levaram os portugueses a pensar que Cabo Verde era um país falhado, pelo que a independência conduziria ao seu desaparecimento. O país nada tinha… a não ser o engenho e o empenho dos seus homens. Uns falaram na transformação de Cabo Verde em região autónoma de Portugal, à semelhança de Madeira e Açores. Outros, pensaram na prossecução do sonho de Amílcar Cabral, unindo Cabo Verde e Guiné-Bissau. Os portugueses estavam reticentes quanto à associação do arquipélago à Guiné-Bissau. Mário Soares afirmou que nas regiões onde não houve guerra (o caso de Cabo Verde), era preciso respeitar o direito de auto-determinação dos povos. No meio de toda esta confusão, optou-se pela independência do arquipélago em relação a Portugal. Cabo Verde seguiu, a partir de então, uma administração conjunta com a Guiné, que veio falhar com o golpe de estado empreendido por Nino Vieira em 1981. A partir daí, Cabo Verde seguiu os seus passos e, daqui a alguns meses, vai passar para o país de desenvolvimento médio, fruto de políticas económicas certeiras empreendidas sobretudo a partir de 1991.
Surpreendendo tudo e todos, o país que era dado como incapaz em 1975, hoje é apontado como um exemplo a seguir. PARABÉNS CABO VERDE… és o nosso ORGULHO. Não falta muito para atravessares o deserto. Podes até estar longe de chegar ao Oásis, mas daqui já se consegue ver manchas verdadeiramente verdes. O deserto vai ficando para trás. Continue com o mesmo ritmo.

5 de Julho: O olhar da imprensa internacional

Julho 5, 2007 às 11:40 am | Publicado em Media & Jornalismo, Política | 1 Comentário

No dia que Cabo Verde comemora os seus 32 anos de independência, o jornal A Semana traz um retracto do olhar da imprensa estrangeira sobre o país e o seu percurso. Por economia de tempo, reproduzimos o texto do diário electrónico, com as devias aspas:

 

«O jornal português “Público” divulga hoje uma análise sobre Cabo Verde, passados 32 anos da Independência. Intitulado “Cabo Verde, a encruzilhada e o momento decisivo”, o artigo mostra as opiniões dos cabo-verdianos sobre a actual conjuntura nacional, marcada por um crescimento rápido da economia e do turismo e por muitas indefinições em diversos níveis, desde a cultura à família. Também o “New York Times” publicou, no passado dia 28, uma análise sobre Cabo Verde, “o arquipélago onde o fenómeno migratório mostra todas as suas faces”.
Para o “Público”, “vividos 32 anos de independência, Cabo Verde debruça-se sobre si próprio. Estuda-se, avalia-se, discute-se”. “Vive-se um ’momento decisivo’, dizem uns. Está-se numa ’encruzilhada’, dizem outros”, explica a jornalista Sofia Branco, que passou na última semana pelo país para participar no Fórum do jornal “A Semana”.
O artigo explica como o turismo se está a desenvolver, falando da “massificação no Sal” e do “turismo de qualidade em Santo Antão”. Depois procura analisar alguns dos problemas sociais do país (criminalidade, migração, crianças de rua e droga), dando voz, por exemplo, ao ministro da Administração Interna, que afirma: “Não temos capacidade para aguentar o ritmo desta combinação entre país de trânsito e de destino da migração irregular”.
A jornalista salienta, no entanto, que apesar do muito caminho a percorrer “Cabo Verde ocupa a 106ª posição do Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas”, sendo o “líder do ranking entre os Estados africanos, quase duas dezenas de posições à frente da África do Sul”.
Sobre a cultura nacional, assinala o fecho do cinema Éden Park, “naquela que é considerada a meca cultural de Cabo Verde”. “É inevitável perguntar por que é que o cinema deixou de fazer parte dos interesses de gentes que nascem com a arte e fazem dela a sua forma de estar”, escreve o “Público”. Tenta ainda perceber porque há tanto debate em volta da oficialização do crioulo e sobre a pertença a África ou à Europa (o cabo-verdiano “’não pode dizer que é europeu e não quer dizer que é africano’, analisa a jurista Maria João Novais”).
O “New York Times”, que no dia 28 de Junho publicou um longo artigo sobre os efeitos da migração em Cabo Verde, vê o país como “o pequeno território” onde quase todos os fenómenos/efeitos migratórios acontecem. “Emigrar começou por ser uma necessidade e tornou-se depois parte essencial do DNA dos cabo-verdianos. No Mindelo, pode-se jantar no café Portugal, beber um copo no Bar Argentina e caminhar ao longo da Avenida da Holanda”, conta o NYT.
O jornal norte-americano, no artigo intitulado “In a World on the Move, a Tiny Land Strains to Cope” (em português, “Num mundo em movimento, um pequeno território tenta vencer as dificuldades”) relata pequenas histórias de cabo-verdianos, que têm familiares no estrangeiro, que desejam emigrar (“Temos aqui um cabo-verdiano que cortaria o braço direito para poder voltar aos EUA”, conta Manuel Gomes), e as dificuldades que enfrentam, cada vez mais, para conseguir vistos ou trabalho na Europa e EUA.
Ao analisar a encruzilhada de migrações que é parte da alma cabo-verdiana, o jornalista Jason DeParle fala das consequências da migração para as famílias (um aspecto ainda negligenciado pelos estudiosos da matéria em Cabo Verde). Conclui que a emigração pode “estimular a união familiar”, mas “destrói também os laços familiares”.
Jorgen Carling, um geógrafo norueguês, explica ao jornal norte-americano que “admira a capacidade de Cabo Verde se inventar a si próprio como nação sem fronteiras”, mas vê também na migração uma fonte de muitos problemas.
“Pode enfraquecer os relacionamentos, encurtar a vida dos casamentos e promover a indiferença entre estudantes e trabalhadores. A expectativa de viver das remessas e a perspectiva de sair um dia do país pode alienar os cabo-verdianos do quotidiano”, analisa.
Na sua perspectiva, Cabo Verde “é uma amostra das contradições e fricções próprias da migração global que vive o mundo”. “Está numa transição dramática – por um lado, é muito dependente da emigração e, por outro, tenta singrar num mundo em que as fronteiras se fecham cada vez mais”.
Consulte o artigo do New York Times na íntegra
Para ler o artigo do Público, deve consultar a
sua edição impressa».

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